02 dezembro 2014

Poem a Day #2 - A memória

O que dizem os vestígios
Tentei procurar
As memórias perdidas
Tentei encontrar
Tempos de outras vidas.

Pelas chamas andei
E vozes escutei
Cada uma, vestígios
Cada chama, perigos

Mais tarde entendi
O porquê da minha perda
E mudei, e vivi,
E entendi:
As memórias passadas
São difíceis de ser acessadas.
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28 de Janeiro, 2008, século XXI, 07:30
Faz um tempo que completei trinta anos. Viajando por anos e mais anos, eu consegui contar. Continuo sem envelhecer; rosto de dezessete anos, corpo também. Estou agora em um trem-bala, em Tóquio. Li um livro chamado Drácula há um tempo, em que os personagens usam diários para ditar os fatos do que aconteceu. Resolvi me aderir a isso.
Descobri o que aconteceu com a minha família. A casa pegou fogo. A minha casa. Minha memória cedeu um pouco, e consigo lembrar: eu estava lendo um livro (acho que era um estudo em vermelho), minha irmã estava treinando ginástica na sala de estar e minha mãe fazia comida. Lembrei o nome delas: Suzanne e Júlia.
Até que o fogão explodiu.
Um vazamento de gás.
As duas morreram. E eu também.
A diferença é que elas não viraram ospideiras. E eu tive que carregar esta maldição.
-Acho que começou a lembrar dos nomes dos livros que leu -disse Vlad. Os cabelos grisalhos não tinham mudado de cor. A magreza era a mesma. Talvez a voz tenha ficado um pouco mais experiente.
Você -eu falei, com a voz cheia de nojo.
-Eu. Descobriu a natureza de seu ospideirismo? Teve bastante tempo pra isso, pelo menos para mim.
Olhei pela janela e tentei esconder o poema em meu caderno. 
-Eu descobri o que aconteceu com minha família -falei com a voz sem emoção. -Houve... Um incêndio. As duas morreram, menos eu.
-Você morreu, Belle. Só virou uma viajante do tempo.
-Descobri outra coisa. O maldito porquê de eu ser ospideira. 
Ele pareceu surpreso, ao mesmo tempo interessado.
-Sou uma bomba prestes a explodir. E bom, para se fazer uma bomba precisa-se de elementos-chave. Eu sou uma bomba. Eu tinha os elementos antes de ser uma.
-E foi escolhida -disse Vlad, com um pequeno sorrisinho de superioridade e satisfação. -Bom, se deduziu isso sabe que não pode se casar nem ter filhos. 
Isso me despertou. Como assim? Eu não podia casar?
-Sei que pensa que estou sendo injusto -ele falou. -É a vida. Você é uma bomba. Porque acha que precisa mudar de local constantemente, e que o relógio avisa?Porque você pode explodir. Morrer, da pior forma possível. Seu corpo absorveu a explosão no dia em que sua casa pegou fogo. Se ficar muito tempo em um lugar só, você solta a explosão.
Olhei para a janela e tentei esquecer. Antigamente - isso eu sabia - eu gostava de lembrar das coisas do passado, para esquecer o presente. Mas como fazer isso se o passado havia sido apagado, como quando se apaga do caderno a frase que ficou ruim?
-Desço no próximo vagão -eu disse a Vlad, que silenciou.
Vlad sumiu faz um tempo. Resolvi transcrever estas memórias aqui e agora. Minha mente se expandiu um pouco, então lembro das coisas com mais facilidade. Apenas com acontecimentos do presente. Porque acontecimentos do passado - meus amores, minhas paixões, minhas amizades, minha vida de verdade -, porque quando tento lembrar deles, ela não responde.
Coisa engraçada a memória. Ela registra coisas novas, ao mesmo tempo que apaga as antigas. Não exatamente apaga, e sim vai deixando elas cada vez mais pra trás... Como dizia Shakespeare - essa eu me lembro, com certeza -, o ontem, a história. O amanhã, um mistério. E o hoje, uma dádiva.
A memória gosta de seguir este roteiro, e não necessariamente nesta ordem.

4 comentários:

  1. Olá Belle, tudo bem?
    Eu não li a primeira parte do texto de ontem mas hoje voltei e li. E Meu Deus, sua ideia foi genial! Adorei a forma que você 'amarrou' a primeira parte com a segunda. Quando vi o projeto pensei que você iria fazer cada dia uma coisa diferente com o tema dado e não uma espécie de estória única usando todos os temas. Estou amando até aqui e com toda certeza vou ficar esperando a próxima parte.

    Um Abraço, l0nely-star.blogspot.com

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    1. Obrigada ♥ Eu queria fazer algo assim desde que vi os temas do Poem a Day, só não sabia se conseguiria "amarrar" um no outro. Obrigada mesmo, Júlia!

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  2. Belle, você merece aplausos. Muitos aplausos. Você é genial. Esse poema? Genial. Esse texto e o do dia anterior? Geniais. Essa ideia? Idem. Não tenho mais nada a declarar. Estou amando, simplesmente. ♥

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